segunda-feira, 18 de junho de 2007

Entrevista com Raimundo Carrero - Por Rivalter Pereira

Raimundo Carrero, ex-assessor de Gilberto Freyre, é hoje o maior ficcionista do Recife. Estreou com uma ótima novela, sendo a sua uma das melhores estréias da literatura brasileira, intitulada A História de Bernarda Soledade: A Tigre do Sertão. Uma novela gótica em pleno sertão pernambucano, onde é narrado o esboço de uma grande personagem feminina: Bernarda Soledade, que é uma espécie de precursora de Maria Moura, da cearense Rachel de Queiroz. Obra que contou com o apoio de Hermilo Borba Filho, prefácio de Ariano Suassuna e arrancou elogios de um mestre da poesia brasileira, Carlos Drummond de Andrade. Há um romance agrário seu que é um dos melhores do gênero: Viagem ao Ventre da Baleia. Não há como ler os diálogos religiosos deste livro e não sentir inveja do criador que os concebeu. A cena da morte do pai de Jonas e os momentos em que o fazendeiro narra a sua própria história são trechos que não me saem da memória. É um livro que realmente impressionou-me, mas, apesar de não ter gostado de vários trechos em que é reproduzido o passado de Jonas, considero-o superior ao São Bernardo, de Graciliano Ramos. Há mais prazer, isso é inegável, na leitura de São Bernardo. Porém, há maior compensação artística e filosófica ao terminarmos a leitura deste Viagem ao Ventre da Baleia. Pode parecer implicância com o escritor alagoano, afinal tão mais conhecido e divulgado dentro e fora do país, do que Raimundo Carrero, mas, em geral, ao comparar seus livros com os deste, fico sempre com o pernambucano. Outro caso, por exemplo, é o de minha escolha do livro Sombra Severa em lugar do famoso Vidas Secas. De fato, Sombra Severa parece-me um dos trabalhos mais perfeitos da literatura brasileira, com sua precisão, objetividade, suas reflexões e principalmente seu denso poder poético. É uma obra cuja leitura e releitura, me satisfez mais do que a leitura do Vidas Secas. Ele é autor ainda de um dos mais competentes romances modernos, Maçã Agreste, livro que em termos de linguagem poética, densidade e estrutura, supera A Grande Arte, de Rubem Fonseca. Paciente, bem urdido, muitíssimo inspirado e complexo, é o melhor romance escrito sobre o Recife que conheço. No jogo que faz de tempo narrativo, onde mostra ora o interior do estado, ora a capital, expõe, a exemplo do pintor espanhol Pablo Picasso, um quadro de dor, de horror, de opressão, angústia e frustração. É um Recife sórdido, atrasado, o que aparece nas páginas desta que é a sua grande obra-prima, o livro que mais o imortaliza na galeria dos maiores autores nacionais. Mais recentemente, recebeu um dos mais tradicionais prêmios literários do país, o Jabuti, na categoria de contos, tendo concorrido com nomes como Rubem Fonseca, Ignácio Loyola Brandão e Nélida Piñon. O livro vitorioso, As Sombrias Ruínas da Alma, como conjunto, não chega a superar a força e a qualificação de Maçã Agreste mas, se tomarmos isoladamente alguns contos deste livro, encontraremos alguns dos maiores momentos de toda a sua carreira, especialmente na série de contos que formam a parte das Iluminações. Um dado curioso: esse é um livro de contos dividido em partes. E além de uma mudança clara na sua escrita, passando a escrever numa linguagem mais ágil e leve, houve o que considero a mudança principal, uma guinada no tocante aos temas adotados por ele e o destino de seus personagens. Neste As Sombrias Ruínas da Alma continuamos nos deparando com os mesmos personagens derrotados presentes em seus livros anteriores, como sádicos, insanos e assassinos. Contudo, por obra e graça da presença destas Iluminações, deu-se o milagre que fez surgir um outro Raimundo Carrero: não mais um escritor apenas angustiado que acompanha os principais escritores pós-modernos, mais também um artista e ser humano ampliado em sua dimensão metafísica. Estes contos, As Iluminações, obras-primas de poucas páginas, possuem uma atmosfera de sonho, uns personagens e uma mensagem singela e positivista, que o aproxima de Guimarães Rosa. Nunca antes havia experimentado um tão grande prazer em ler um livro de Raimundo Carrero. Nem mesmo com Sombra Severa e Maçã Agreste, ou com o clássico da literatura marginal que escreveu , Somos Pedras Que se Consomem, porque estes livros oprimem, assustam. Quanto às Iluminações... Elas nos redirecionam ao caminho que conduz à elevação espiritual. Santa escrita, a desse ficcionista, que com mais de sessenta anos soube refazer-se, renovar-se.
Início da entrevista:
1 – A afirmação de Juan Rulfo de que Guimarães Rosa é o maior escritos das três Américas nos envaidece. Entretanto, olhando com distanciamento, Guimarães Rosa é mesmo maior que Faulkner?

Em geral Rivalter, tenho muitas dificuldades para apontar o melhor ou os melhores. Ambos são grandiosos, sendo que Guimarãe chega até nós com mais familiaridade, pelos temas, pela linguagem, pela visão,vamos dizer, mais brasileira dos problemas universais. No entano, o mundo tortuoso de Faulkner me encanta muito. Seus personagens, seus negros, sua reflexão do sul dos Estados Unidos é magnifíca, e pelo menos, a mim, deixa atormentado. Sinto que quando leio Faulkner saio mais inquieto e, no entanto, mais humano.


2 – Cite, por ordem de importância, na sua opinião, as cinco obras de ficção mais importantes da segunda metade do século XX.

"A Pedra do Reino", de Ariano Suassuna; "Viva o Povo Brasileiro", de João Ubaldo Ribeiro; "Dois Irmãos", de Milton Hauton; "Cem Anos de Solidão", de Gabriel Garcia Marques; e "Conversa na Catedral", de Mario Vargas Llosa.

3 – Certa vez, num telefonema, perguntei-lhe se o senhor havia escrito algo de maior envergadura do que Maçã Agreste, e o senhor disse que não. Outra ocasião citou Sinfonia para Vagabundos como o seu melhor. Afinal, qual a sua maior criação?

Quando penso em "Maçã Agreste" percebo que escrevi um romance muito forte, de uma estrutura elaborada. E isso me deixa muito feliz. Mas "Sinfonia para Vagabundos" é aquele livro que representa melhor o meu estado de espírito, multifacetada, confuso, caótico. Tenho uma grande paixão pelos dois. Assim como acho que "O amor não tem bons sentimentos", que chega agora às livrarias, é o romance mais completo, pelo avanço das técnicas, pela construção literária, pela paixão do personagem Matheus.


4 – Quando pensa na ficção de Rubem Fonseca o que lhe vem à cabeça prioritariamente: violência, sexo ou sofisticação técnica?

Essencialmente sofisticação técnica. Todo mundo sabe que sou apaixonado pela técnica. Mas é claro que ela não existiria sem uma galeria de personagens atormentadores e fortes. Rubem Fonseca tem um universo literária fascinante.


5 – Se vier, um ano destes, um Nobel para o Brasil, quem deve levá-lo: Rubem Fonseca, João Ubaldo Ribeiro ou Dalton Trevisan?

Ariano Suassuna.

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