segunda-feira, 4 de junho de 2007

Notas sobre Philip Roth (O transgressor refinado). Rivalter Pereira.

Se me perguntassem o que penso do degenerado Alexander Portnoy, não hesitaria, respondendo que não só gosto dele, como me solidarizo com seus tormentos. Freud escreveu que o psicanalista não tem por obrigação erradicar os complexos de seus pacientes e que deve buscar uma relação pacífica com os mesmos: Portnoy sofre de transtorno obsessivo compulsivo com relação ao sexo e, durante o percurso do livro, está sendo psicanalisado. Tem que haver uma conciliação para ele, entre a neurose e a cura. Porque sofre-se com o excesso da libido, mas, sofre-se mais ainda, com o vazio da ausência de sexo. Alexander é o protagonista de O Complexo de Portnoy, do judeu americano Phillip Roth. Como pode ser tão bom, este livro? Tão prezeirosamente digerível? Tão infernalmente inteligente? Não foi por acaso que com ele seu autor tenha despontado para a fama. A obra deste ex-prefessor de inglês das Universidades de Princeton e Rutgeas, quando lançada, permaneceu vinte semanas nas listas dos mais vendidos, rendeu-lhe meio milhão de dólares em direitos autorais e vendeu 4 milhões de exemplares. O domínio narrativo no livro é total, pois não sentimos a mão do autor pesando na ação e no pensamento dos personagens. Trata-se de prosa extremamente fluídica, envolvente. E forte. Porque, apesar de retratados de forma irônica e cômica, os tormentos familiares e sexuais de Portnoy não são de brincadeira. Quem passa por algum deles, ou os dois simultaneamente, sabe do que estou falando.
Paulo Francis: Acho que Phillip Roth vai ter de esperar mais tempo até que um jovem crítico, de ascendência judaica, reconheça que Complexo de Portnoy é o maior romance cômico já escrito, melhor que Tom Jones, de Fielding, Candide, de Voltaire, Decline and fall, de Evelin Waugh, e, Waal, tão engraçado quanto Lolita, de Nabocov. Daí pode-se averiguar a medida do livro. E o incrível é que na edição brasileira ele possui apenas 221 páginas, tornando-se desta maneira num destes poucos livros magros com a categoria de obras com maior número de páginas. É como O Ateneu do carioca Raul Pompéia, ou Pedro Páramo do mexicano Juan Rulfo. Sendo os três grandes obras, em termos de conteúdo, criatividade, linguagem e construção de personagens. Que não se iluda o leitor, o humor de O Complexo de Portnoy não tem nenhuma sutileza, ele é rasgado, corrosivo. Você protestante, você católico, você judeu, defenda-se como puder das investidas deste pugilista das letras. Portnoy está combalido, está transtornado, com medo de perder a luta, mas não abandonará o ringue antes do último round.
Philip Roth: Nós deixamos uma marca. Impureza, crueldade, maus-tratos, erros, excremento, esperma - não tem jeito de não deixar. É por isso que toda purificação é uma piada.
A construção narrativa de Pastoral Americana é perfeita. A maneira como eventos do presente e do passado são apresentados aos leitores é excelente e a linguagem, ao mesmo tempo sofisticada e dinâmica, torna a leitura extremamente prazerosa. Como tenho pouco conhecimento do conjunto volumoso da obra de seu autor, Phillip Roth, não posso situá-la, mas certamente trata-se de um dos romances mais refinados, informativos e instigantes que já tive em mãos. A história da ascensão e queda (principalmente a queda) do judeu americano Seymour Levov, conhecido como o sueco, que abandona uma carreira bem sucedida como esportista para tornar-se empresário, é esmagadora de convicções. Apesar de prazeroso de ler, o livro tem lá seus hermetismos, e um deles situa-se justamente no campo das reflexões que os personagens fazem a respeito da vida. Phillip Roth, num ato de coragem, capacita cada personagem de uma voz poderosa e com argumentações convincentes para testar a inteligência e a capacidade de escolha do leitor. A exemplo do que fazia Shakespeare. Quem está certo, quem errado? Descobrir quem está com a razão neste livro é desafiador. Existe mesmo a razão? Ou a vida não passa de um sucessão absurda de eventos fortuitos? São perguntas como estas que o livro suscita. Além de ótima literatura, Pastoral Americana é, sobretudo, a marca da reflexão.
Alguns críticos consideram Pastoral Americana, de Phillip Roth, conservador, nostálgico dos anos de tranqüilidade idílica do passado. De fato, alguns personagens são assim. Mas Phillip Roth deixa claro que isso é só uma ilusão. Uma a mais das tantas que povoam o livro. Afinal, antes dos anos cinqüenta havia a guerra, antes da guerra a depressão e por aí vai. O que fica claro é que as coisas nos anos de ouro eram só um pouco menos ruins. O enredo não é passadista, ele é uma sátira aos nostálgicos. Ele arrasa e ridiculariza os iludidos com o passado. Afinal, o que são alguns anos de tranqüilidade aqui e ali frente a permanente turbulência da história? Phillip Roth é um indecente. Ainda bem. E não porque seus livros sejam recheados por cenas pornográficas, mas porque ele acaba com as esperanças daqueles que ainda sonham com a paz americana.


Pastoral Americana, pasmem, é também uma história de amor. Talvez seja a única beleza americana sustentável do livro, o fato de que mesmo com tudo ruindo a sua volta, o Sueco Levov continue amando a sua filha. Será o lado bonzinho de Phillip Roth? Não creio. Penso que ele quis apenas ser realista. Não é só amor de mãe que tem durabilidade para ser posto a toda prova. Até neste aspecto Pastoral Americana é um livro superior.
Trecho de O Professor de Desejo, de Philip Roth: Já há muito tempo a “delinqüência moral” tem estado na mente de pessoas sérias.
Em Pastoral Americana, de Philip Roth, um personagem afirma que sem transgressão não há conhecimento. Este livro é um fervilhar permanente de questionamentos que vai seduzir o leitor interessado em intelectualizar-se e evoluir com esse processo.
O senhor Emídio Russomano mora na parte italiana da cidade de Newark, nos Estados Unidos. Ele é um modesto sapateiro, rústico, que criou durante anos um canário, que atendia pelo nome de Jimmy e que morreu. Estamos em 1920, dentro do livro Casei Com Um Comunista, publicado em 1998 por Phillip Roth. Abaladíssimo com a morte do seu companheiro Jimmy, seu Emídio resolve preparar-lhe um funeral estupendo, com direito a coche e desfile pelas ruas que conduzem ao cemitério. Vejam vocês: o funeral de um canário, acompanhado pelo seu ex-dono, que chora inconsolado. É uma situação Cômica para os demais moradores da região e em especial para as crianças. Menos para uma delas, o alto e durão Ira Ringold, que conta no momento com a idade de 7 anos. Ele não só chora copiosamente, comovido com a perda de seu Emídio, como chega a trocar socos e ponta pés com outras duas crianças, porque essas caçoavam do enterro do canarinho. Nelson Rodrigues, que considerava fundamental, ao conhecer uma pessoa, saber se ela chorava, certamente gostaria de ter escrito esta história que, de resto, não sabemos se foi fictícia ou real. Curiosa década de 20, em que pessoas choravam a morte de animais.

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