quarta-feira, 13 de junho de 2007

Notas Sobre Thomas Pynchon (O monstro sagrado) Rivalter Pereira.

V é a inicial do nome da mulher que o pai de Stencil amou um dia, V é uma mitologia, V é uma brincadeira de seu autor, V é um enigma proposto ousadamente por Thomas Pynchon, em sua estréia literária, que se deu através do livro V., um dos mais herméticos da literatura americana. O título do livro é uma provocação. E sua leitura oferece dificuldades que fazem, por momentos, que desejemos abandoná-lo antes de sua conclusão. Isso porque V. não é livro para qualquer tipo de leitor. Com esta estréia, acontecida em 1963, Thomas Pynchon deixa explícita sua disposição de polemizar com o público e com a crítica. Todos ficam perplexos com a leitura dos capítulos do livro, posto que mais se parecem com contos, de tão distantes que estão, às vezes, do enredo dos dois personagens centrais, Herbert Stencil e Benny Profane. Mas Thomas Pynchon é mestre na arte de manipular uma narrativa caótica e reconstituir o mapa dos vários enredos e mostrar que por trás do caos pode haver uma ordem. Vários críticos têm sido unânimes em afirmar que ele, através de suas magníficas ficções, retrata um mundo em decomposição, vazio e triste, que não pode contar com a ajuda de Deus porque, para Thomas Pynchon, simplesmente, não existe Deus. Não estão de todo errados. Talvez, de fato, ele não acredite em Deus, mas, uma leitura mais apurada de seus livros, mostrará que Pynchon sofre de ansiedade com relação a Deus. Vejamos esse trecho de V.: Oh, Deus está aqui, você sabe, nos tapetes lilás de sala a cada primavera, no laranja-sangue dos bosques, nas doces vagens de minha alfarroubeira, o pão de São João desta querida ilha. Os dedos D`Ele varrem as ravinas; seu sopro mantêm as nuvens de chuva longe de nós; sua voz um dia guiou o náufrago São Paulo para abençoar nossa Malta. Não quero com esse exemplo (embora haja vários como este em seus livros) favorecer tese contrária e fazer do anárquico e cínico Thomas Pynchon um autor religioso. Eu não chegaria a tanto. Acredito apenas que deve haver mais equilíbrio quando da análise de um autor tão ambíguo.
Grandeloquênte, rigoroso, denso, poético, extremamente belo, sabiamente cômico, inesgotavelmente criativo, incrivelmente hermético, misto de ácida criticidade e sutil sentimentalismo, monumental painel da Europa do final da segunda grande guerra, metafórica fábula de nosso tempo, obra misteriosamente barroca e pós-moderna, O Arco-íris da Gravidade, do americano Thomas Pynchon é, sobretudo, e sem medo de errar, dessas criações literárias a que denominamos de obra-prima. O crítico paulista Diogo Mainardi não lhe poupa palavras, definindo-o como o romance mais obscuro, complexo e engenhoso de todos os tempos. Trata-se, de fato, de uma das experiências mais ousadas da literatura desde que James Joyce chocou o mundo com o seu Ulisses. Não é missão fácil resumir-lhe o enredo, dada a vastidão de personagens e as várias tramas e subtramas que o permeiam. E o que eles vivem são as situações mais delirantes, nada fáceis de serem enquadradas. Como consolo, existe um personagem central, o militar Tyrone Slothrop, um tipo satírico, um tipo que envolve-se em surrealísticas confusões na Europa devastada pela guerra. Entretanto, não faltam momentos empolgantes, a despeito da complexidade verbal, da confusão das vozes narrativas, com encontros e desencontros amorosos, vinganças, cenas hilariantes etc. Os gêneros também fundem-se nesta obra singular: comicidade e dramaticidade, longas descrições barrocas e situações pós-modernas, poesia, conto, novela, todos integrados numa prosa riquíssima, contribuindo para uma fabulação genial. Profeta do caos, digamos que com O Arco-íris da gravidade Thomas Pynchon extremiza seu discurso e escreve o que se pode chamar de O Segundo Livro do Apocalipse. Não necessariamente como a obra de um ateísta, mas possivelmente a realização de uma espécie de crente desesperado. Este grande romance é o que podemos chamar de uma autêntica Bíblia do Caos. E, muito embora, ele seja um torpedo entremeado de caos e ordem, oscilando a todo momento, talvez o sonho secreto desse magistral escritor de nosso tempo, seja alguma modalidade de pacificação. O final de O Arco-íris da Gravidade é uma lágrima de seu autor por nossa humanidade condenada. Um protesto, para que o que aconteceu no livro não venha de fato a acontecer com o nosso planeta. Ou estarei enganado, e o que o velho Pynchon quer é barbarizar com nossa humanidade corrompida? É possível.
Considero a linguagem de O Arco-íris da Gravidade a mais rigorosa, densa e soberba das que já li. Shakespeare não conta como seu rival porque não foi prosador. E a Bíblia por ser muito diversificada em seus registros lingüísticos. O Arco-Íris da Gravidade é insuperável em termos de beleza narrativa. Avesso à publicidade, Thomas Pynchon não concede entrevistas, se deixa fotografar, ou dá palestras. Sabe-se pouco a respeito de sua vida, por exemplo, que é judeu e sua família é aristocrática. Formou-se em física e literatura inglesa na Universidade de Cornell e prestou serviço militar pela marinha americana. Hoje, no final de 2004, 67 anos, é casado com a agente literária Melane Jackson e tem um filho. Conquistou todos os grandes prêmios literários de seu país. Há uma curiosidade nesse campo: em 1973, o Arco-Íris da Gravidade foi eleito como a melhor obra de ficção do ano pelos juízes escritores do prêmio Pulitzer. Só que o conselho curador do prêmio, constituído por jornalista e editores, resolveu não conceder o Pulitzer ao livro, por considerá-lo ilegível e obsceno. Tanto pior para o prêmio. Ponto para Thomas Pynchon. Fernando Sabino já escreveu que não existem mais “monstros sagrados” da literatura. Engana-se, ele existe e mora nos Estados Unidos. Aliás, o que é que estão esperando para conceder a Thomas Pynchon o Nobel de literatura? Bom, talvez a academia sueca é que não seja digna de tê-lo como um de seus contemplados.
Geralmente não nos apercebemos da utilidade de comentários de orelhas e quartas capas, porém, na ausência de uma resenha de jornais e revistas, são nesses pequenos textos que encontramos o toque que pode ser decisivo na aquisição de um livro. Na quarta capa da edição brasileira de O Arco-íris da Gravidade, de Thomas Pynchon, de 1998, encontramos um comentário sucinto e preciso, que nos dá uma medida abreviada do que vem a ser essa obra colossal: Lançado em 1973, O Arco-íris da Gravidade foi o primeiro grande romance impregnado dos valores e da linguagem da contracultura norte-americana. Num clima ao mesmo tempo de pesadelo e de desenho animado, uma sucessão de peripécias se desenrola num ritmo estonteante. Mas o verdadeiro protagonista do livro não é Slothrop, o anti-herói picaresco que atravessa o cenário devastado da Europa ao final da Segunda Guerra, e sim a linguagem de Thomas Pynchon. É tal sua força poética que, apesar do grotesco dos incontáveis personagens e do absurdo das situações por eles vividos, o leitor se vê totalmente envolvido e fascinado pelo universo mágico da narrativa. Vinte e cinco anos após sua publicação original, O Arco-íris da Gravidade já entrou para o Cânon dos grandes romances de nosso século.
No O Arco-íris da Gravidade, Thomas Pynchon recheia sua prosa densa e magnífica com divertidas e prosaicas canções que animam as sucessivas farras vividas pelos personagens. Vamos a uma delas:


Bem-vindo a bordo

Bem-vindo a bordo, venha com toda corda,
Que a nossa regra é botar pra quebrar –
Ninguém se lembra como a orgia começou,
Mas todos sabem como é que vai acabar!
Não faz marola, que aqui ninguém é carola,
Deixe de lado o que é aporrinhação e zanga –
No nosso barco todo mundo faz barulho,
No nosso barco todo mundo solta a franga!

Aqui tem me – nina que já é concu – bina,
Tem mãe de fami – lia com o homem da fi – lha,
Grandes ere – ções, e as predile – ções
Mais esquisitas que você já viu –
Venha também para o nosso navio,
No nosso Titanic ninguém entra em pânic´
Por conta de um mero ice Berg submerso –
Com canto e com dança, em prosa e em verso,
A festa vai ter o maior happy end –Bem-vindo a bordo, vem logo, my friend!

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